05 abril 2011

Diz a Tribuna: Combate à dengue: “Está tudo errado”

Carla França e wagner Lopes - Repórteres
“Está tudo errado!” Essa é a opinião do presidente da Sociedade de Infectologia do Rio Grande do Norte, Hênio Lacerda, sobre a forma como o poder público e a população agem para combater a dengue. Para o médico, a falta de infraestrutura das cidades, somada a deficiência da rede de saúde, aos maus hábitos da população e às ações inadequadas do poder público são responsáveis pelo aumento dos casos da doença no Rio Grande do Norte e no Brasil.

“A nossa distribuição da água é intermitente. Hoje eu tenho água, mas amanhã eu não tenho e aí as pessoas precisam armazenar água e isso é um ponto favorável para a proliferação do mosquito. Temos a irregularidade da coleta de lixo, ruas que não são calçadas, falta de saneamento básico. Junte isso a falta de colaboração da população, que produz condições para proliferação do mosquito. Do ponto de vista do poder público temos uma vigilância epidemiológica deficitária”, exemplifica o infectologista.

Ele diz ainda que todos esses fatores contribuem para que a população adoeça e é quando aparece mais uma falha na estratégia de combate à dengue: a deficiência da rede de saúde básica. A população procura assistência médica e não encontra ou quando encontra é atendido de forma inadequada. O paciente com dengue clássica deveria ser atendido pela rede básica, mas ela não funciona. Aí eles são encaminhados para os hospitais de referência, que deveriam atender apenas os casos mais graves, mas ficam abarrotados com vários doentes. “Eu comparo a uma orquestra onde todos tocam desafinados. O poder público não faz a sua parte, a população também não, os médicos não atendem como deveriam atender, o serviço não oferecem os recursos. É um emaranhado de erros”, diz Hênio Lacerda.

E a situação é antiga. Em 15 anos, desde que a doença chegou ao RN, já ocorreram três grandes epidemias (1996/1997, 2002/2003 e 2008) fora os anos em que se registra grandes quantitativos de casos da doença, o que está acontecendo este ano.

Questionado sobre o que pode ser feito para reverter essa situação – que é de epidemia – o infectologista acredita que apenas o surgimento da vacina contra dengue é capaz de modificar o quadro do Rio Grande do Norte. O problema é que a previsão da comunidade científica é que a vacina eficaz seja descoberta e concluída daqui a cinco ou dez anos.

“A única forma que eu vislumbro para acabar com a dengue é a chegada da vacina. Fora isso, é insistir, continuar cobrando do poder público e ficar atento as formas de transmissão e aos sintomas. Até a chegada da vacina, nós vamos continuar sofrendo”, disse o infectologista.

Secretaria ainda não inclui Natal na epidemia de dengue

Ao contrário da realidade apontada para todo o Rio Grande do Norte, pelo secretário Estadual de Saúde Domício Arruda, os casos de dengue notificados na capital ainda não caracterizam uma epidemia de dengue em Natal. Em oito semanas, foram 551 notificações na cidade, distribuídos em 159 na zona Sul, 147 na Oeste, 145 na Norte e 100 na Leste.

emanuel amaralSecretaria de Saúde de Natal garante que trabalho dos agentes de endemia já está reforçado na capitalSecretaria de Saúde de Natal garante que trabalho dos agentes de endemia já está reforçado na capital
Enquanto no Estado o início de 2011 vem representando um aumento de 695% no registro de casos em relação ao mesmo período de 2010, na capital o percentual é menor (272%), mas nem por isso menos preocupante. “Natal não se encontra ainda enfrentando uma epidemia, mas já estamos trabalhando em um plano de contingência, preparando ações a serem desenvolvidas frente a essa possibilidade”, afirma a gerente técnica do Centro de Controle de Zoonoses, Jeane Oliveira.

O último boletim epidemiológico sobre dengue, divulgado ontem pelo Município e referente ao período de 1º de janeiro a 26 de fevereiro, apresenta um número de ocorrências em 2011 ainda dentro das médias semanais calculadas desde 1996, porém bem acima dos números para o mesmo período de 2010 (148).

Segundo o coordenador do Programa de Combate à Dengue, Alessandre Medeiros, seria necessário a notificação de 200 casos da doença por semana para que uma epidemia fosse configurada em Natal. “Seguimos o diagrama do Ministério da Saúde, que monitora o número de casos por cada 100 mil habitantes. Nosso limite é 200 casos por cada semana”, explicou. Alessandre Medeiros ressalta que a situação é mesmo de alerta, embora a capital ainda não esteja em epidemia. “O número de casos é ascendente e isso nos preocupa muito. O risco de uma epidemia este ano é iminente”.

Entre os objetivos do monitoramento permanente, está identificar o número de leitos disponíveis, além dos possíveis laboratórios e hospitais de referência.

Jeane Oliveira afirma que o primeiro ciclo de visitas às residências ainda não foi concluído, mas os primeiros números sobre infestação predial, relativos a 2011, devem ser divulgados nos próximos dias. Uma das expectativas é que o trabalho de apoio desenvolvido pela Marinha na zona Oeste tenha resultado em queda nos índices da região, os piores da capital em 2010.

Outra mudança prevista para este ano, e que ainda não se concretizou, diz respeito à mudança na carga horária dos agentes. Eles trabalham há cinco anos em jornadas de seis horas contínuas e voltariam a atuar em jornadas de oito horas, divididas em dois turnos. Quando a medida foi anunciada, para ser adotada no início de fevereiro, houve resistência por parte dos profissionais e a Secretaria Municipal de Saúde decidiu por suspender a mudança. “Mas a tendência é que ela ainda ocorra”, destacou a gerente técnica.

População não se espanta mais com a doença

Há 15 anos Natal convive com casos de dengue e esse longo período tem resultado em uma acomodação das pessoas em relação aos cuidados necessários para evitar o surgimento de criadouros do mosquito Aedes aegypti. A desatenção só atrapalha ainda mais o trabalho dos agentes de endemias.

De acordo com o supervisor de área José Humberto do Nascimento, o natalense já se “acostumou” à doença e não se surpreende nem mesmo com notícias de óbitos. Ele coordena o trabalho realizado pelos agentes no bairro de Nova Descoberta e lamenta que a população não dê a devida atenção ao problema.

“A gente tem sempre de ficar alertando, porque as pessoas não se assustam mais se alguém pega a doença, ou se aparece uma morte”, diz. Outra dificuldade se refere aos imóveis fechados. “Alguns vizinhos evitam apontar os possíveis focos, achando que estão só denunciando o dono do imóvel, quando na verdade estão é ajudando a resolver a situação.”

Sem o apoio dos proprietários para ingressar nos imóveis, a Secretaria Municipal de Saúde precisa apelar para a Justiça autorizar a entrada dos agentes. A burocracia, que no caso dura de três a seis meses em média, prejudica todo o trabalho preventivo. “Por isso pedimos compreensão das pessoas”, afirma José Humberto.

O supervisor explica que as equipes vêm sendo reforçadas e os próprios agentes têm aumentado a produção, até como forma de demonstrar ser desnecessária a mudança na jornada de trabalho. Em algumas áreas se tem atingido médias superiores a 20 visitas por dia. “Nosso objetivo é alcançar um ciclo completo de visitas às casas a cada dois meses”, revela.

hospital

Enquanto isso, continuam chegando pacientes com suspeita de dengue no Giselda Trigueiro. Na manhã de ontem a moradora do bairro das Quintas, Antônia Ferreira, aguardava atendimento na portaria do hospital. “Desde domingo estou com dores, febre, mal estar e me preocupo pois já tive a doença, alguns anos atrás”, explica. Ela critica a atuação do poder público e afirma que tem visto poucos agentes nas ruas. “Precisa orientar melhor as pessoas”, observa.

Publicação: 11 de Março de 2011 às 00:00
FONTE: http://www.tribunadonorte.com.br

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